segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A polémica Saramago



    Confesso que continuo sem compreender a dimensão da polémica em redor das declarações de José Saramago. Deve ser o prazer da polémica pela polémica. Saramago proferiu declarações que facilmente se podem caracterizar de levianas, não apenas pelo tom, mas pela superficialidade em relação à complexidade do tema. É certo que o homem é Nobel, mas não é por isso que o vão levar a sério quando se propõe resolver em duas penadas o mais controverso e antigo dilema do ser humano. Mas foi essa a conclusão pessoal a que chegou e decidiu partilhá-la. Não percebo a celeuma porque não creio que seja, nem de perto nem de longe, das coisas mais ignorantes ou desrespeitosas jamais ditas, mesmo que a um crente. É apenas uma opinião, ainda que não tenha sido expressa nos termos mais elegantes. E não é exactamente um segredo de Fátima, que o Deus descrito no Antigo Testamento ainda não tinha adoptado plenamente a máxima de dar a outra face. Mesmo sendo um rapazinho de educação católica, desde que instituída a  tradição de rever "Os Dez Mandamentos" todo o santo Natal na saudosa época dos dois canais, que me apercebi que o Todo Poderoso não é flôr que se cheire quando lhe pisam os calos. Achei muito elucidativa a forma como quinou todos os primogénitos do Egipto após o Faraó recusar libertar o seu povo, que muita falta lhe fazia para construir as pirâmides a baixo preço de custo.

    Além disso, não se trata exactamente de uma situação inédita. Se a memória não fosse curta, bastava lembrar as declarações de Saramago em que equiparava o comportamento de Israel na Palestina ao dos nazis no Holocausto (o exemplo do Gulag teria sido igualmente convincente), ou de como Cuba era um exemplo para todos nós. O facto de ser um escritor extraordinário significa que escreve bons livros e as suas opiniões têm um impacto mediático acrescido. Não implica que a qualidade dos primeiros se transmita por osmose às segundas. E a verdade é que podia defender coisas bem piores, como o ensino do criacionismo no ensino público ou algo semelhante.

    Quanto às declarações acerca da renúncia de nacionalidade por parte de um deputado europeu português em busca dos seus 15 minutos de fama, não me parece que sejam necessários quaisquer esforços argumentativos para demonstrar que são disparatadas. Falamos de um direito do qual apenas o próprio pode dispôr. Se declarações asnáticas fossem motivo para o reivindicar, já este senhor estava a pregar noutra freguesia.

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