quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

E o ano começa bem...






   Ano novo, livros novos. Já cá cantam os primeiros novos residentes de 2011 (mês de Janeiro). Com o tempo tenho tido tendência a comprar progressivamente menos livros. Mais do que os constrangimentos financeiros que variam consoante as alturas (e que encontram inevitavelmente a resposta no ditado popular que diz que quem não tem dinheiro, não tem vícios), prende-se com o tempo que não chega para tudo. Acaba por ser natural cingir-me cada vez mais aos livros que quero mesmo, mesmo ler. 

  Começou com uma prenda de Natal atrasada: 501 Must Visit Natural Wonders, de um amigo que achou por bem alimentar o meu fetiche por viagens. Grande parte dos lugares que nos dá a conhecer não são de  visita viável, excepto se a nossa vida for viajar, e tenhamos bolsos bem fundos para o fazer. Mas vale a pena ver as fotografias, de qualidade bastante razoável, de como existem belezas na Terra que suplantam a nossa imaginação. 

  Nos CTT (uma primeira vez para mim), apanhei O Declínio do Império Whiting, de Richard Russo, a metade do preço. Foi uma compra por instinto, coisa que não é rara em mim. Gostei da pinta do livro. E fui influenciado pelo facto desta obra ter sido adaptada pela HBO, e protagonizada por Ed Harris, Helen Hunt e Paul Newman. Se cativou o interesse destes actores, sobretudo Newman (que nessa altura já não saía de casa por qualquer coisa), e para mais, já foi o vencedor do prémio Pulitzer, parece promissor quanto baste.

  Finalmente, nas oportunidades Fnac, aproveitei para dar baixa em quatro livros da minha lista de "Mais cedo ou mais tarde, hei-de caçar-te". Norte de Céline, autor conhecido tanto pela sua mestria literária, como pelo facto de ter sido colaboracionista nazi. O seu nome continua a ser sinónimo de polémica em França, numa altura em que se questiona novamente a importância que se deve atribuir à sua obra. A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao sempre me pareceu um livro divertido, e no ano do seu lançamento foi louvado quanto baste pela crítica (embora seja verdade que por vezes isso não significa assim tanto). A História Universal da Destruição dos Livros é uma tentação para apaixonados pelos  livros e pela seu percurso na história. Qual Mark Twain, as notícias da morte do livro sempre foram exageradas. Mas não por falta de tentativas. Esta forma de consagrar experiências, ideais e pensamentos, em simples páginas de papel, tem suscitado o ódio e receio de diversos regimes ao longo dos tempos. É interessante ver como existe uma conexão entre a destruição de livros e a censura e repressão, e a que proporções esta pode ascender.

  E para último deixo o melhor: Orlando Furioso, de Ludovico Aristo. Deixo a sinopse oficial, que é bem elucidativa do que se pode esperar. Acrescento apenas que a edição é um verdadeiro mimo; um prazer pelo próprio objecto em si, enriquecido com as ilustrações de Gustave Doré. Vale bem a pena os 40€ que custa normalmente. Com as Feiras do Livro a caminho, onde tem muitas vezes um desconto de 40%, talvez esteja aí a oportunidade ideal para quem quiser acrescentar este calhamaço ao seu espólio literário. 

Sinopse

Mais de 400 ilustrações de Gustave Doré.
Introdução, tradução do original, notas e resumo por Margarida Periquito.
A Cavalo de Ferro orgulha-se de apresentar ao leitor português a primeira tradução integral de ‘Orlando Furioso’ de Ludovico Ariosto, suprindo uma lacuna editorial no nosso país de mais de 500 anos. Com a presente publicação torna-se finalmente acessível em português uma das mais importantes obras da literatura universal, enriquecendo o nosso panorama literário e cultural.
Escrito ao longo de mais de trinta anos por Ludovico Ariosto e publicado na sua versão final em 1532 (com 46 cantos e cerca de 40.000 versos rimados), o ‘Orlando Furioso’ é um dos maiores monumentos da literatura europeia e mundial, apenas comparável em termos de relevância cultural a outras obras-primas da literatura como ‘A Divina Comédia’ (Dante Alighieri), ‘Gerusalém Libertada’ (Torquato Tasso), ou aos nossos ‘Lusíadas’, do qual, aliás, foi influência maior.
Misto de romance de cavalaria que engloba o imaginário popular e mitológico, numa fina ironia, o ‘Orlando Furioso’ é um longo poema épico que, tal como a Odisseia ou a Ilíada, pode facilmente ser lido como um grande romance de aventuras. Foi, aliás, leitura de entretenimento ao longo dos séculos em todas as cortes europeias, influenciando gerações de escritores como o inglês Spencer ou o espanhol Cervantes, estando ainda presente em obras tão distantes no tempo e diferentes no estilo como as de Camões e de Cyrano de Bergerac.
O tema principal do livro é de como o valoroso cavaleiro Orlando, de paladino de Carlos Magno e enamorado da bela Angélica, por ciúme, se torna em louco furioso, e de como sem o seu mais importante cavaleiro o exército cristão fica em dificuldades na guerra santa que trava; isto até o cavaleiro Astolfo encontrar na Lua o recipiente que contém o juízo de Orlando restituindo-o ao seu legítimo proprietário, mesmo a tempo deste ajudar os cristãos na luta que travam contra mouros nos muros de Paris.
Pelo meio desfilam cavaleiros, cavalos alados, princesas, feiticeiros, e são descritas um sem número de batalhas, duelos, fugas, perseguições e cenas de amor; tudo isto num ritmo alucinante que a rima dos versos de Ariosto torna numa quase prosa musical.
A tradução do século, numa edição a não perder!
Orlando Furioso de Ludovico Aristo


Críticas de imprensa
«Não se pode ficar indiferente à tradução integral do poema épico de Ariosto, Orlando Furioso (1532), acabada de publicar sob responsabilidade de Margarida Periquito, tradutora de Leopardi, Buzzati, Romana Petri, Carlo Collodi e outros italianos. Orlando Furioso são cerca de quarenta mil versos no padrão rimático e métrico da oitava, distribuídos por 46 cantos. Da obra, Harold Bloom disse ser o precursor e modelo do Quixote. A edição, de apuro gráfico cuidado, sem luxo, em papel reciclado e grande formato (27cmx19cm), não é bilingue. Por essa razão, fica-se pelas 749 páginas. Margarida Periquito traduziu, explicou o critério do seu trabalho, e escreveu a introdução, uma nota biográfica do poeta (1474-1533), o resumo da obra e as indispensáveis notas. A editora Cavalo de Ferro optou por ilustrar a sobrecapa e o volume com cerca de quinhentas das 650 ilustrações que Gustave Doré fez para este clássico do romance de cavalaria, o que decerto constitui atractivo suplementar.»
Eduardo Pitta, daliteratura.blogspot.com 


«Uma tradução apuradíssima em todos os pormenores.»
J.R.D., Público 


  Alguns destes títulos continuam a manter os preços previstos na campanha Fnac, embora esta já tenha terminado. Em alguns casos, são mesmo os novos preços de editor dos livros em questão, pelo que se devem manter.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Tá na hora, da caminha, vamos lá dormir

  Diz-me o Google que o Vitinho faz hoje 25 anos. E a mim, isso faz-me sentir como o tempo passa depressa. Ainda me lembro de andar na primária quando o Vitinho apareceu, e como a sua chegada significava ordem de marcha para lavar os dentes e deitar. Se um dia tiver filhos, esta há-de ser uma daquelas memórias do tempo em que o pai era da idade deles, que vou querer mostrar.



terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Neta do Senhor Linh - Philippe Claudel

 
  O Senhor Linh, numa idade em que já pouco esperava da vida além de alguma serenidade e carinho, vê-se forçado a procurar refúgio em França. Para trás ficam a sua casa e aldeia, e o seu filho e nora, ambos mortos pela guerra. Para trás fica tudo aquilo que alguma vez conheceu. Ou quase tudo. Consigo viaja a sua neta, ainda apenas um bebé que depende de si para tudo, e que é a única razão porque encontra forças para continuar. Mas se nesse propósito encontra a força para enfrentar o dia seguinte, é numa improvável amizade que encontrará o alento para superar o desespero que este sempre traz. Para Linh e Barker, o homem de aspecto gentil que conheceu, uma só pessoa, e com a qual não partilham sequer um idioma comum, foi o bastante para fazer a diferença.

  A escrita de Claudel é emocional sem incorrer em excessos melodramáticos, uma tentação muitas vezes presente neste tipo de narrativas. Mergulha-nos na realidade de um homem que cruza em si os dramas de um refugiado, e do estigma e condescendência que uma sociedade desenvolvida reserva aos que entraram no ocaso da vida. Coloca-nos no outro lado do espelho, em que vestimos a pele de um velho alienado que sente já não ter lugar no mundo, ou sequer conseguir comunicar com os seus habitantes. O que para nós é um facto óbvio, para alguém nas suas circunstâncias apresenta-se como um enigma cruel. E Claudel fá-lo através de uma estrutura narrativa que começa pelas páginas estritamente indispensáveis à contextualização da vida de Linh, dedicando-se então de forma mais demorada à exploração do nascimento e evolução de um vínculo de amizade entre dois homens magoados pela vida, enquanto acompanha paralelamente o dia-a-dia de Linh no centro de refugiados e o seu destino posterior, até culminar num clímax que nos conduz a uma percepção diferente da vida daquele ancião. Esta forma contida de contar a estória, acaba por amplificar o impacto das palavras do autor sobre amizade, solidão, mágoa e esperança. São cerca de 90 páginas que provam que os livros não devem ser avaliados pelo seu tamanho, e que conseguem provocar fortes sentimentos.

  Philippe Claudel, para além de escritor premiado com prémios como o Goncourt e Renadout, é Mestre de Conferências da Universidade de Nancy, professor no Instituto Europeu de Cinema e Audiovisual, e desde 2008, também realizador, com o filme Il ya longtemps que je t’aime. É editado em Portugal pela ASA.

Classificação: 8/10
 
Título: A Neta do Senhor Linh 
Autor: Philippe Claudel
Editor: Edições Asa
Edição/reimpressão: 2006
Páginas: 96