Integrado na excelente colecção de policiais da Gótica "Nocturnos", a acção de "Os Pecados do Lobo", de Anne Perry, desenrola-se na Inglaterra Vitoriana e tem no detective William Monk a sua personagem principal. Monk é abrupto, inconveniente e sarcástico; ao fim e ao cabo, alguém que não é tido na melhor das contas. Mas é também extremamente inteligente e incansável a defender uma causa que considere justa, não hesitando em desrespeitar a maioria dos extremamente rígidos preconceitos sociais da época. Rege-se apenas pelos seus princípios pessoais, sem dar muita importância às consequências que possa sofrer. Embora seja o primeiro que leio, não se trata do primeiro livro da série. As constantes da mesma são um conjunto de personagens comuns e o contexto pessoal de cada uma. Os elementos mais relevantes dos mesmos são facilmente introduzidos (o caso de um anterior despedimento de Monk da Polícia e a amnésia de que sofre). Já o crime investigado neste volume, é autónomo e circunscrito ao mesmo, pelo que não é indispensável ler os volumes anteriores.
A enfermeira Hester Latterly (pertencente ao núcleo de personagens comuns), vê-se acusada do crime de homicídio por envenenamento, de uma sua doente que acompanhava em viagem. Os indícios encontrados apontam fortemente para a sua culpabilidade. Sabendo-se inocente, Hester tem também consciência que apenas um dos membros da família onde a vítima era matriarca, poderia ter tido os meios e oportunidade para cometer o crime, e ainda deixar provas incriminatórias contra si. Recorre à ajuda de Monk, e do advogado Oliver Rathbone, os quais, pelo passado que partilham, acreditam intransigentemente na sua inocência. São os três vértices de um triângulo amoroso subtil, que gera alguns dos momentos mais divertidos do livro.
O livro caracteriza-se essencialmente pela sua capacidade descritiva e pelo tom leve que, embora sem ter pretensões humorísticas explícitas, nos leva a viajar pelo mesmo com um sorriso nos lábios. As personagens, tanto principais como secundárias, estão bem conseguidas. Raramente se limitam a estereótipos. Mesmo as que não são exploradas a um nível mais complexo, conhecemos delas o suficiente para nos transmitir a sensação de que há mais nelas do que um primeiro olhar alcança. Levando o seu tempo a descrever cada uma das etapas da história, o ritmo da trama acaba por sair algo prejudicado. A descrição da estrutura familiar e dos rígidos padrões sociais em meados do séc.XIX é cativante sem ser exaustiva, limitando-se às exigências da história. O papel das mulheres na sociedade e como este se começava lentamente a alterar tem um destaque especial. Na guerra da Crimeia, onde Hester serviu como enfermeira, pela primeira vez as mulheres acederam à profissão de enfermeira por vocação, e não como um trabalho rebaixante reservado para quem esgotou outras alternativas. Neste confronto notabilizou-se a figura de Florence Nightingale, uma personalidade real que chega a ser integrada na história numa homenagem à importância dos seus feitos. Granjeou um respeito profundo dos seus contemporâneos que roçava a adoração, e foi fundamental para uma melhoria drástica dos cuidados de saúde que se prestavam, sobretudo aos mais pobres.
Enquanto tenta descortinar motivos no seio da família da vítima susceptíveis de impelir ao assassinato, Monk acaba muitas vezes em becos sem saída. Os avanços mais significativos na investigação do crime, sucedem numa fase já adiantada do livro. Em resultado disso, os acontecimentos acabam por se precipitar de forma um pouco atabalhoada. É esse twist final que revela as motivações subjacentes ao crime e, embora seja algo forçado e não totalmente surpreendente para quem esteja habituado a este tipo de histórias, não prejudica a sensação de agradabilidade que ler este livro nos transmite.
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