domingo, 7 de junho de 2009

A Canção de Kali - Dan Simmons


Robert Luczack é um jornalista americano, que viaja até Calcutá incumbido de redigir um artigo sobre um novo poema que está a intrigar o mundo literário. Consigo viajam também a sua mulher Amrita, e a bebé de ambos, Victoria. Amrita, embora nascida na Índia, não visita o país desde criança. Atribuído ao poeta Das, o poema em questão é controverso. Embora comprovadamente recente, todos os indícios apontam para a morte do seu autor à cerca de dez anos atrás. À medida que investiga a veracidade do manuscrito, Robert descobre estar efectivamente perante o trabalho de Das, mas também que os rumores da sua morte não foram exagerados. O conteúdo deste novo poema diverge do seu trabalho anterior e remete incessantemente, em termos grotescos, para Kali, a deusa da Morte. Preso nesta contradição insanável, o único caminho para descobrir a verdade parece ser através de uma seita conhecida como o culto de Kali, a qual parece ter os seus próprios intentos para o jornalista. Com cada passo que dá, mergulha cada vez mais num emaranhado de crenças que a sua mente lhe dizem impossíveis, mas que sente cada vez mais como reais. Quando encontra finalmente alguém com uma explicação para o ressurgimento de Das, fica hipnotizado enquanto escuta o seu testemunho do que presenciou. Apercebemo-nos que nós também. Essa narrativa dentro da estrutura principal do romance é particularmente bem conseguida e, para mim, o ponto em que o livro me conquistou definitivamente.

A cidade de Calcutá é a personagem principal da história. É a sua natureza que nos transmite uma atmosfera de desconforto que vai em crescendo até atingir um terror palpável. Dan Simmons descreve um lugar maligno; submerso na imundice e miséria. Os prédios encavalitam-se, as pessoas também. Tudo fede permanentemente a uma mescla de lixo, doença e excrementos. Calcutá está para além da salvação, para além de piedade. Nada mais é que uma chaga abjecta na humanidade. Deveria ser varrida da face do planeta por uma violenta explosão; uma nuvem em forma de cogumelo com que Robert chega a sonhar, que expurgasse o mundo inteiro desse mal.

Embora integrando elementos sobrenaturais na história, os verdadeiros contornos dos mesmos nunca são completamente explicitados. Na minha opinião, é essa ambiguidade a grande força do livro. Como nunca sabemos até onde chega o toque de Kali, compreendemos o desespero do protagonista para quem nada é já completamente seguro, e que não sabe como combater algo que está longe de compreender por inteiro. Para quem estiver à espera de uma explicação clara para o como e porquê de tudo o que é descrito na história, pode sentir-se defraudado.

Quanto mais avançamos no livro, mais convictos ficamos de que o seu final será de alguma forma trágico. Esta é uma história sobre o Mal. Não é sobre uma luta entre o Bem e o Mal. Somente sobre o Mal; até onde nos pode inquinar e se é possível preservar um vislumbre de esperança no nosso íntimo. Um outro desfecho não respeitaria a natureza da história.

"A Canção de Kali"
Dan Simmons
Tradução de João Barreiros
Edições Saída de Emergência
Setembro, 2005

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