Charles Prentice é um jornalista britânico que ganha a vida a escrever sobre viagens. O tipo de pessoa que gosta de conhecer todos os lugares, mas não pertence a nenhum. Quando o seu irmão Frank, que havia assentado arraiais numa estância na Costa do Sol, é acusado pelo homicídio de cinco pessoas, o carimbo de Espanha é o próximo na colecção do passaporte de Charles.
Embora ninguém, polícia inclusive, pareça acreditar, Frank, que desempenha as funções de gerente do conceituado Club Nautico, insiste em manter uma confissão em que se assume como responsável pelo incêndio que provocou tantas mortes. Não só se mantém inflexível nesta matéria, como recusa contar ao irmão pormenores do que se passou ou a razão para o seu comportamento. Charles embora desconcertado, mas convicto da inocência do irmão, decide investigar por conta própria.
Na estância de Estrella del Mar, residentes maioritariamente britânicos vivem uma segunda juventude. Pessoas que atingiram o pico do sucesso cedo na vida vêem viver para aqui para finalmente fazerem tudo o que sempre quiseram. Representa um estranho contraste com os empreendimentos semelhantes que acabam por se caracterizar pela letargia constante e uma fobia do mundo exterior. Mas quando Charles mergulha mais profundamente neste mundo, apercebe-se que a expressão realizar todos os sonhos é encarada literalmente. Existem comportamentos que um outsider não consegue compreender. Como pessoas que assistem a uma violação e nada fazem. Existe uma relação sombria entre um tipo de criminalidade que oficialmente não existe e a própria vitalidade da comunidade. É esse enigma que Charles precisa de deslindar para descobrir o que aconteceu ao irmão.
Acaba por se envolver com uma antiga namorada do irmão e por conhecer Crawford, uma espécie de messias da mentalidade dominante e que representa a chave para ser aceite num mundo que até aí o parecia querer ver pelas costas. Com o tempo, Charles (e um pouco o leitor com ele) vai sendo assimilado por este mundo e acaba por tomar de certa forma o lugar do irmão. Acaba também, por ficar tão indiferente ao destino de Frank como todos os outros (embora não o consiga encarar).
Do (pouco) que li de Ballard, este romance não consegue ser tão incómodo como outras obras. Embora falando de como somos afectados pela violência e sexualidade, a perspectiva que nos fornece (para mim Ballard tem sobretudo a ver com analisar os instintos e emoções que movem o ser humano sob perspectivas diferentes da mainstream e normalmente mais sombrias) embora alternativa, não é brutal. Talvez ambígua seja a melhor forma de descrever. Para quem gosta de Ballard, provavelmente não achará este um dos seus melhores trabalhos. Mas para fãs ainda condicionais ou recém-apresentados, será uma aposta mais segura.
A vertente policial do livro, solucionada apenas no final, ajuda a equilibrar o prisma mais psicológico e sociológico da história. O final, embora moderadamente previsível, é bem conseguido em relação ao espírito da obra, e foi o suficiente para elevar uns furos a minha opinião global da mesma.
"Noites de Cocaína"
J.G.Ballard
Tradução de Mário Correia
Quetzal Editores
Maio,2003
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