sexta-feira, 5 de junho de 2009

Nuno Bragança

A D.Quixote reeditou recentemente, num único volume, a obra completa de Nuno Bragança. Quase todos os blogs da especialidade cantaram loas à qualidade da obra e mencionaram a importância que teve na sua época. Desconheço; foi antes do meu tempo. Mas entendi que tanto elogio merecia, pelo menos, uma vista de olhos. Ficou na lista.

Mas depois tropecei nuns excertos do livro no blog da livraria Trama. Passou para o topo da lista. A escrita do homem tem qualquer coisa de hipnótico. Reconheci o título "A Noite e o Riso" de uma colecção que fiz ("Grandes Autores de Língua Portuguesa"-Dom Quixote/Visão/JL - 2003) e procurei-o no recanto dos livros que comprei e hei-de ler porque ainda sou novo e para mais foram tão bons negócios. Vai ser este o meu primeiro contacto com a sua obra.

Deixo aqui os excertos que me prenderam, com o devido agradecimento à Trama, mais concretamente à Catarina, roubados daqui.

«Um homem quando vem à vida é uma frescura que nem uma novidade em horta trabalhada. Um rapaz pequeno é um raio, uma perdiz nova. Ouve tudo vê tudo ele quer mas é tudo e acabou-se. Mas chega o dia em que o começam a acordar quando ele inda tem sono. Vai para a escola, dizem. E um gajo sai de casa só com uma boca de pão para o dia todo e quando chega à escola já amorfou tudo, está a ver? Depois é fazer isto e mais aquilo. Ao princípio sempre há a camaradagem, isso é uma coisa importante. Há grandes cabrões para fazer queixa da gente mas a gente dá porrada dura, está a ver? E quando é coisa de matar a fome a roubar fruta sempre é melhor com um ou dois camaradas. Ao começo a coisa inda vai. Mas já não é o mesmo, vê vossemecê um rapaz pequeno é mesmo uma perdiz nova mas é como se estivesse um ginete a roçar a sarda ali ao pé, à espreita. Um dia chega o dia de um homem acordar pela manhã e perceber que desde o momento que nasceu foi mas é prantado à parva de borco na vida. Isto começa quando inda se é rapaz pequeno e vêm sacudir-nos pela manhã. É nessa altura que um homem começa a descobrir. Porra, lá tenho eu mas é de ir puxar à nora. Mas como eu lhe estava declarando, ao começo inda vai. Mas um dia começa a ser mas é mesmo impossível. E então um homem quando acorda sente um buraco no peito que é uma coisa fantástica. E o povo diz, é o bicho. Há um bicho a roer o homem por dentro e ele dá por isso mal acorda. Quase todo o tempo um homem sente o bicho mas de manhã ao acordar aquilo rói por dentro que é um caso sério e um gajo vai mas é direito à aguardente se não quem é que o arranca ao sossego para o engatar à nora? Dar o melhor do corpo ao manifesto?»

«E então quando é Inverno e é noite escura?», disse o servente que tinha estado de costas.

«Matar o bicho.», disse o ruço, «Tudo o que um homem faz é matar o bicho. Até aos domingos é matar o bicho. Um gajo dá uma trancada de fazer cair as traves, cai a dormir. Porreiro. E o bicho fica à espera da manhã, está vossemecê a ver? Um homem acorda de manhã, às vezes mesmo no meio da noite, e sabe logo isto que eu estou a dizer. O doutor, digo eu. E ao depois?, diz ele. Com a sua licença, digo eu. Se essa cambada de abécuas que está ali no corredor tivesse uma instrução apropriada dizia mas era cona da mãe e acabou-se.»

Nuno Bragança, em Directa

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