Somos o Esquecimento que Seremos é uma revisitação da relação de Hector Abad Faciolince com o seu pai. Únicos homens numa casa de mulheres, Hector Abad Gomez e o filho cedo estabeleceram uma ligação próxima. Um médico que dedicou a quase totalidade da sua vida a tentar transformar o seu país num lugar melhor (acabando por pagar com a própria vida essa escolha), Abad foi a figura de referência no crescimento do filho. Apologista de que o amor deve ser a base de toda a educação (postura encarada como permissiva na altura), é-nos descrito como essa convicção moldou a personalidade do autor. A sua postura cívica desde cedo lhe valeu o rótulo de indesejável em vários sectores, numa Colômbia que começava a resvalar para uma situação de conflito e violência constantes.
Parte carta de amor aquele que foi o seu ídolo de toda a vida; parte testemunho do trabalho deste em prol dos direitos humanos, este livro demorou vinte anos a ser escrito. Foi esse o tempo que o autor precisou para colocar em palavras todo um tumulto de emoções e recordações, tanto as ternas como as amargas, em palavras. Sem cair num tom melodramático que queria a todo o custo evitar, a sua escrita é desarmante de tão simples. Transmite a nobreza de carácter do seu pai, sem no entanto esconder o excessivo lirismo de que frequentemente padecia. Partilha connosco as perdas que moldaram a sua família, deixando dolorosamente presente como algumas feridas nunca sararam, nada mais restando senão aprender a viver com a dor infligida. Na fase final do livro, de cariz mais factual, é assustadora a percepção que adquirimos de quão pouco podia valer a vida na Colômbia, sendo o assassinato dos que se opunham às forças governamentais natural e metódico. Mesmo sabendo o que lhes estava reservado, muitos houve que continuaram a lutar pelo acreditavam ser correcto. Abad Faciolince Abad, ainda que a achando para além de si, admira e consagra por escrito essa coragem.
Caracterizado na sua sinopse como "um livro de grande coragem", esta qualificação não podia ser mais adequada para uma obra que expõe tanto do seu autor, e o obriga a lidar com os seus fantasmas pessoais. Escrito pelas regras de um romance, este título que deve o seu nome a um verso de Borges, foi recentemente reeditado pela Quetzal.
Classificação: 9/10
Título: Somos o Esquecimento que Seremos
Autor: Hector Abad Faciolince
Tradução: Margarida Amado Acosta
Editor: Quetzal
Editor: Quetzal
Páginas: 336
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