Isabel Stilwell recria neste romance a vida da última rainha de Portugal, D. Amélia (1865-1951). Cobrindo a totalidade da sua vida, e predominantemente através da perspectiva pessoal da própria Amélia, o livro tem particular incidência sobre o período do seu crescimento em França (após o regresso familiar do exílio inglês), e os anos de casamento com D. Carlos. De forma mais sucinta, refere igualmente o período subsequente ao regicídio, que haveria de culminar em novo exílio (realidade que marcou a sua vida), e que a acompanhou até à sua morte.
Através das suas vivências contactamos com um período tumultuoso da história europeia, no que ao término ou sobrevivência de monarquias se refere. Primeiro, com o clã Orleães, quando o seu pai regressa a França na esperança de reinstituir a monarquia que havia terminado com o seu avô, ensejo que nunca alcançaria. É com Amélia, a filha mais velha, que o Conde de Paris partilha as suas convicções e visões para o futuro de França, sobre a égide de uma monarquia constitucional. É com Luís Filipe que Amélia forma a convicção do que um rei deve ser, sempre tendo como fundamental a noção de dever para com o seu povo. Acompanhamos a sua infância, de uma criança séria e contida, sempre preocupada com o que é esperado de si, e decidida a não desapontar o seu ídolo, o pai. Com uma família unida (facto a que não era alheia uma propensão pelo casamento com primos direitos), é difícil a D. Amélia deixar para trás tudo o conheceu quando chega o momento do seu casamento.
A sua nova vida tem início aquando do seu casamento com o príncipe herdeiro de Portugal, de seu garboso nome Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Saxe-Coburgo-Gotha, a partir do qual o nosso país seria a sua nova pátria. Apesar de uma aliança entre duas casas reais, este casamento foi também um casamento por amor. As elevadas expectativas que tinha para uma vida em comum foram inicialmente cumpridas, talvez mesmo excedidas. Mas o passar dos anos haveria de trazer um fosso crescente entre ambos, à medida que deixava de reconhecer o Carlos que conhecera e pelo qual se apaixonara, fraco perante os prazeres da vida, e negligente face às necessidades do povo. Não que D. Carlos tivesse apenas defeitos. Mas os seus dotes (nomeadamente diplomáticos) eram largamente superados pelas suas falhas. Acompanhamos a ascensão de Carlos ao trono após a morte do seu pai; a forma como a sua sogra, D.Maria Pia, se vingava no erário público das humilhações públicas a que era sujeita pelo marido; o nascimento e infância dos princípes herdeiros; e como a sua forte noção de dever se materializou numa impressionante, sobretudo para a época, obra social que visava a melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos. Conhecemos ainda o clima e os sinais que precederam a instauração da república no nosso país.
As convicções de D. Amélia, ainda que sólidas, acabaram por sofrer a erosão de uma vida atravessada por dificuldades. Carlos, foi um marido desrespeitador, e que menosprezava aquele que podia ser o seu contributo para o seu reinado, mas a quem apesar de tudo amava. Mais preocupado com o prazer do que com o país, D.Amélia vivia no receio que os filhos seguissem o seu exemplo. Empenhou-se então em preparar o filho para ser o melhor rei possível, e um regente de que se pudesse orgulhar. Quando este lhe é roubado, desaparece com ele a sua razão de viver. D. Amélia sentia que o seu povo nunca a chegou a amar, apesar do seu esforço, e que via em si, e na sua família, apenas gente que espoliava o país de preciosos recursos financeiros sem em nada retribuir. D. Amélia é-nos apresentada como alguém de extrema dignidade, que foi-se tornando uma mulher amargurada e descrente, com a sua existência trespassada pelo adágio que um dia ouviu a uma tia: "a felicidade cobra sempre o seu preço".
A autora consegue captar a essência de uma mulher nobre (em ambos os sentidos), mas que foi preparada para um mundo que rapidamente desaparecia. O seu colar de 671 pérolas, cada uma representativa de um dos bons momentos que viveu em Portugal. Voltou a Portugal uma única vez após o exílio (a convite de Salazar a quem muito admirava), em 1945.
Isabel Stilwell, conhecida sobretudo pelo seu trabalho como jornalista (foi directora da Notícias Magazine), tem-se firmado nos últimos anos como autora de romances históricos: Filipa de Lencastre e Catarina de Bragança, igualmente sobre a vida de raínhas. As fotos que Isabel Stilwell incorpora no livro aumentam significativamente o seu impacto, na medida que temos uma consciência mais apurada de como o que estamos a ler teve uma base real. Muitas das cartas reproduzidas no livro são reais, já não sucedendo o mesmo com os diários, embora a autora se tenha baseado nos originais. A escrita de Stilwell é cuidada, mas perfeitamente acessível. Embora não seja um livro barato, dificelmente damos o nosso dinheiro por mal empregue.
Classificação: 9/10 - O livro consegue cumprir de forma sublime o objectivo a que se propõe.
Autora: Isabel Stilwell
Editora: Esfera dos Livros
Edição: Março 2010
Páginas: 554
Preço: 22€
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