O Desertor é a mais recente aventura protagonizada por Gabriel Allon, o espião israelita criado por Daniel Silva, a ser publicada em Portugal. Os acontecimentos que descreve vêm no imediato seguimento do volume anterior, As Regras de Moscovo, em que o seu antagonista foi o traficante de armas Ivan Kharkov. Grigori Bulganov, o homem que por duas vezes salvou a vida de Allon na Rússia, desaparece do seu exílio britânico. Descrente na possibilidade de que o tenha feito voluntariamente, e motivado pela promessa que lhe fez de que não acabaria morto e desfigurado numa vala anónima (punição tradicionalmente reservada aos traidores na Rússia), o espião/restaurador de arte, abandona, uma vez mais, o seu retiro na Úmbria para tentar salvar o amigo.
Sem grandes dúvidas de estar perante a vingança de Kharkov, Allon sabe igualmente que será uma questão de tempo até ser alvo da mesma. Os seus actos possibilitaram o desmoronar da rede de tráfico de armas de Kharkov, o roubo de uma substancial parte da sua fortuna, e mais importante, a fuga da sua mulher e filhos. Gabriel tenta descortinar as circunstâncias que rodearam o desaparecimento de Bulganov, na esperança de achar a ponta do novelo que o leve até ao seu cativeiro. Mas quando falha em proteger Chiara, a sua mulher, vê-se forçado a tomar medidas extremas (e a desfazer-se de alguns escrúpulos), para evitar que se repita a sua história pessoal (o atentado que vitimou o seu filho e a sua primeira mulher, é um dos elementos estruturantes do perfil psicológico da personagem).
Os enredos e mecanismos narrativos utilizados por Daniel Silva pouco ou nada acrescentam aos títulos anteriores. É mais do mesmo. Mas feito com a competência habitual. Os apreciadores de Gabriel Allon não sairão desapontados, mas é melhor não esperar muito além de um elemento de continuidade. O próprio desenlace não consegue escapar a essa monotonia, embora chegue a alimentar essa expectativa. É no entanto uma obra que se centra mais na vertente pessoal de Allon, visto que é sobre si, e não Israel, que recaem todos os perigos. É na evolução pessoal do protagonista, e das suas relações com um conjunto de velhos conhecidos cada vez mais recorrentes (Shamron, Seymour, Bancroft, Carter, Navot, entre outros), que se notarão os maiores desenvolvimentos, pelo que se torna tão mais relevante conhecer os antecedentes dos mesmos. Por esse motivo, bem como o facto de ser uma continuação directa da história anterior, será talvez a pior escolha possível para um primeiro contacto com esta série.
Daniel Silva aborda através da sua ficção a promiscuidade que actualmente existe na Rússia (em que o apoio do Governo a um criminoso como Kharkov seria perfeitamente normal, desde que acarretasse lucro), e de como este estado de coisas é directamente conexo ao percurso económico e social de antigos quadros da KGB (como é o caso de Vladimir Putin). Opressão e corrupção são as duas constantes num país em que a actividade jornalística é descrita como uma das mais perigosas profissões do mundo. Casos como os de Alexander Litvinenko e Anna Politkoyskaya são evocados directamente, ou através de personagens que se encontram em contextos similares.
Fica-se a aguardar a edição nacional do livro seguinte da série, The Rembrandt Affair, sendo que está prometido para meados de 2011 o lançamento do 11º volume da mesma, Portrait of a Spy. Talvez um deles traga resposta à minha suspeita de que Allon mais não seja que o ramo judaico da família de Jack Bauer.
Classificação: 7,5/10
Título: O Desertor
Autor: Daniel Silva
Editor: Bertrand Editora
Edição: 2010
Páginas: 448
Sem comentários:
Enviar um comentário