terça-feira, 27 de julho de 2010

Notas sobre o mundo dos livros - Sol na eira e chuva no nabal

  Há alguns meses foram divulgados relatórios que revelam o crescimento da indústria editorial em Portugal. Para além das vozes que se levantaram, e bem, para parabenizar o feito, para mais em tempo de crise, outras houve que salientaram, em tom censuratório, como o mesmo foi alcançado sem apoios do Estado, ao contrario de outras industrias culturais nacionais (com o cinema, esse eterno elefante branco, à cabeça). 

  Com toda a paixão que tenho pelos livros, não vislumbro nenhum mérito extraordinário em um negócio dar lucro. Ainda que seja um dotado das particularidades próprias do universo dos livros. Vejo motivos de regozijo, de orgulho por um trabalho bem sucedido. Para alguns, a satisfação de contribuir para o enriquecimento da sociedade através da cultura. Mas a indústria editorial não deixa de ser um negócio, e deve prosperar por si próprio. 

  Discordo do discurso de dois pesos e duas medidas que muitas vezes se lhe aplica. Como quando se critica os grandes grupos do mundo editorial de se comportarem de forma similar ao que fariam no ramo das farturas, detergentes ou viagens, sem o respeito devido pelas suas especificidades. Não morro de amores por essa perspectiva. Mas não deixa de ser uma perspectiva, para mais fiável, porque normalmente esses grupos são de facto lucrativos. E nem toda a gente que depende desta indústria para viver, o faz, em parte ou sobretudo, por amor e vocação. Para muitos é apenas um ganha-pão. Nem sempre podemos ter o melhor de dois mundos. E ainda bem que o mundo em que vivemos começa a permitir a vitalidade do livro sem apoios artificiais.

  Nota-se um esforço na maior parte dos seus intervenientes para caminhar para uma progressiva profissionalização e modernização. Mas ainda existe um longo caminho a percorrer, nomeadamente na transparência com que comunicam publicamente os seus resultados. Falta de transparência essa que permite um recurso ao discurso do coitadinho quando conveniente. Se um determinado negócio não é rentável, embora muitas vezes lastimável o desfecho, encerra-se o mesmo. Se se tratar de uma área entendida como de interesse público (porque nem tudo o que é bom e importante tem lucro, e vice-versa), apesar do seu prejuízo crónico, intervém o financiamento público.

  Mas nem sequer é verdade que este sector esteja isento de apoios do Estado. Desde logo por estar sujeito a uma taxa de IVA reduzida. E não está sequer sujeito a um escrutínio que determine que livros devem beneficiar de isenção completa, intermédia, ou simplesmente não a ter (ao contrário do que sucede nos bens alimentares por exemplo). Por mais que goste de ler, não consigo em boa consciência, descrever o último livro de António Lobo Antunes ou da saga "Sangue Fresco", como bens essenciais. Este benefício poderia muito bem estar reservado aos manuais escolares, livros técnicos ou a um conjunto de obras seleccionadas  (o problema seria estabelecer os critérios a que obedeceria a essa escolha, mas não é esse o assunto que se pretende tratar). Tal sucede porque se entende que estimular a leitura é de tal forma importante, que esta política deve estender-se desde a maior obra-prima literária à mais execrável amálgama literária jamais concebida. Mas nunca deve ser encarada como irrelevante uma incidência fiscal inferior em 15% (a indústria discográfica bem se tem queixado do tratamento diferenciado). 

  E embora este me pareça o incentivo mais relevante, não se trata do único. A CML (logo, dinheiros públicos), atribuiu por diversas ocasiões, subsídios à organização da Feira do Livro de Lisboa (desconheço se ainda o faz). Existem campanhas de estímulo à leitura periódicas, que embora se podendo questionar a sua eficácia, o facto é que o dinheiro que as financia é gasto.

  Pode-se discutir como o orçamento destinado à cultura é parco em Portugal. E de como este é inadequadamente distribuído. Mas nessa conversa, já teremos de incluir o teatro, a dança, o cinema, a música, a pintura, entre muitos outros intervenientes. E dificilmente todos sairão satisfeitos.

1 comentário:

Rach disse...

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